A respeito dos dias que vivemos, e numa altura em muitos recordam os direitos adquiridos(desde os beneficiários dos ruinosos negócios das parcerias público privados aos funcionários públicos e pensionistas), convém ler este texto da autoria do Prof. Doutor José de Oliveira
Ascensão. Aqui fica um resumo:
Toda a situação jurídica assenta
sobre uma realidade histórica, que dela passa a ser constituinte. Assim
acontece também com os negócios que se celebram: estão historicamente situados.
Por isso a alteração das situações fácticas que são o pressuposto deles não
pode deixar de os atingir.
O mero apelo ao consentimento,
fruto dos pressupostos ideológicos imperantes na esteira do séc. XVIII,
encerrava uma falsidade. O consentimento não basta, porque a realidade
impõe-se. O negócio não pode prosseguir tal qual perante uma realidade que não
é aquela que levou as partes comummente a contratar, ou porque qualitativamente
perdeu justificação, ou porque quantitativamente ficou desequilibrado.
Ponderando o regime da alteração
das circunstâncias, é ostensivo como estamos já longe do absolutismo do pacta
sunt servanda.
Facilmente se reconhece aqui um
aspecto do movimento geral, que se manifesta em tantos institutos, no sentido
de recolocar no centro das preocupações a justiça do conteúdo.
No nosso domínio, tem como
consequência levar à reabilitação do princípio tradicional rebus sic stantibus.
A análise realizada permite reconhecê-lo como um princípio essencial, desde que
também não pretendamos endeusá-lo como um absoluto. No seu verdadeiro âmbito,
que é o da base do negócio, ele é um princípio que deve ser proclamado com
generalidade e que implica a recuperação da justiça do conteúdo, ao menos neste
âmbito, como fundamento da vinculatividade.
Pode-se perguntar: mas onde fica
então a autonomia privada?
A autonomia privada é também um
princípio fundamental. É exigência da auto-determinação da pessoa. Por isso, a
pessoa tem de ser artífice em larga medida do seu ordenamento e os efeitos
jurídicos que se produzam são primariamente de imputar a essa autonomia.
A revisão a que se procede no
âmbito da alteração das circunstâncias não é inimiga da autonomia privada e do
poder auto-vinculativo da vontade. A autonomia não sai diminuída: sai pelo
contrário dignificada.
A metamorfose em curso neste
sector leva a que se consagre uma autonomia concreta e não uma autonomia vazia.
Respeita-se o que as partes quiseram, nas circunstâncias em que se encontravam.
Perante uma proporção ou
equilíbrio que as partes estabeleceram entre si, é essa equação que deve ser
determinante. E que por isso é necessário antes de mais preservar.
Até mesmo onde houver um elemento
de liberalidade, ou um desequilíbrio livre e conscientemente aceite, continua a
ser essa proporção a base da vinculatividade do negócio. Em caso de alteração
das circunstâncias a preservação do negócio consiste na preservação desse
posicionamento recíproco básico. Haverá que recompor o equilíbrio substancial
que as partes pretenderam, e não insistir em poderes ou vinculações que
deixaram de se justificar. Servir a justiça coincide assim com garantir a
manifestação concreta de autonomia que foi substancialmente consentida, e não
em impor uma cega subordinação aos termos que a exprimiram em circunstâncias
históricas diferentes. Por isso, só nos casos em que esse realinhamento não for
realizável é que nos temos de resignar a que a defesa da autonomia concreta das
partes não permita atribuir efeitos àquele negócio. Quer dizer,
tendencialmente, só perante a impossibilidade fáctica ou legal de modificação
teremos de aceitar a resolução do contrato.
O resultado é substancial e enriquecedor. Não matámos
o pacta sunt servanda, conjugámo-lo com o rebus sic stantibus. Os pactos devem
ser observados (princípio fundamental da autonomia) rebus sic stantibus
(princípio fundamental de justiça e de respeito da vinculação realmente
assumida).